terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O dia em que te conheci


Sou Elaine Collins, a filha de uma adúltera em pensamento e de um
traidor do reino. Não me orgulho das minhas origens mas orgulho-me do
respeito que conquistei por mim mesma. Sou a futura condessa de
Rathbourne, devo casar com o filho do homem que sempre amou a minha
mãe e a quem ela sempre amou com igual fervor. Posso dizer-me uma das
mulheres mais afortunadas desta Inglaterra que tanto amo pois vou casar
com o homem que sempre amei e que me foi prometido à nascença. Sou
igualmente a responsável pela queda final do meu pai, fui eu que denunciei
a traição que o levou à forca. A minha mãe morreu três semanas depois do
enforcamento de meu pai, tendo como companhia a princesa Maria de
Espanha, mulher do seu amado, a sua mãe, a sua ama e eu, a filha que
amou e cuidou com todo o cuidado.

Minha mãe teve um amante, sempre havia pensado que nunca teriam
consumado o seu amor mas heis que descobri, enquanto falava com a
princesa, que minha mãe e o seu marido haviam sido amantes durante
anos, já depois de ele estar casado com Maria. Fiquei mais do que
espantada ao tomar conhecimento desta consumação pois assim eu ficaria
caída em desgraça junto da mãe do meu prometido. Perguntei rapidamente
a Maria se quereria cancelar o meu casamento com o seu filho, ao que
Maria me respondeu que tal seria algo que não pensaria sequer fazer pois
sempre soubera o amor que nutrimos um pelo outro. Tal descansou-me
bastante mas não acredito sinceramente que a princesa me receba de
braços abertos no seu palácio, pois aquela que foi a filha mais nova dos
reis de Espanha nunca o faria sem me fazer pagar pelo erro de minha mãe,
ainda que esse erro nunca tenha tido nada a ver comigo. A princesa Maria
não irá receber-me bem, tenho essa certeza, é demasiado boa pessoa para
me hostilizar mas nunca poderia aceitar a filha da amante do marido, ainda
que seja a prometida do seu filho.
Maria nunca me aceitará especialmente porque desde pequena que
tenho conhecimento deste amante que minha mãe teve, ainda que até à
pouco tempo não o tivesse ligado com o Jonathan Rathbourne que conheço
desde criança e de cuja esposa minha mãe foi sempre muito amiga.
Quando era mais jovem costumava pensar que este romance era como um
conto de fadas onde a minha mãe assumia sempre o papel de protagonista.
É noite escura, é a noite dos sonhos e das promessas que nunca serão
realmente cumpridas. É o tempo certo para contar a história de uma paixão
que nunca deveria realmente ter surgido. É tempo de passar à leitura das
cartas que escreveram um ao outro durante toda a duração do seu romance
interdito.
Londres
Querido Jonathan
Há já dois anos que não te escrevo, desde que a minha filha nasceu
que não se me tinha apresentado uma única oportunidade para o fazer. A
verda de é que me é muito difícil escrever para ti. Não é propriamente fácil
fazê-lo sabendo que terei de enfrentar o meu marido e as suas ordens
descabidas sem ter o teu apoio e o teu sorriso para me alentarem na minha
tristeza. Apesar de tudo hoje é um dia feliz, hoje faz dois anos que a minha
filha nasceu e vinte anos desde o dia em que nos conhecemos.
Esta manhã lembrei-me do dia em que te conheci, lembrei-me do
momento em que olhei os teu olhos pela primeira vez e em que primeiro
percebi que serias tu o homem com que viria a casar. Lembro-me do que
vestias, lembro-me do que eu vestia, lembro-me do que pensei quando te
vi surgir no baile quando este já ia a mais de meio. Lembro-me que
dançava e que te dirigiste ao meu pai e começaram a conversar um com o
outro como se não existisse mais ninguém à volta, lembro-me também que
nessa noite não chegámos a falar um com o outro.
Conhecemo-nos uma semana depois, num dia de chuva, um dia em
que parecia que o céu nos queria afogar com as nossas mágoas.
Conhecemo-nos no dia de todos os juízos, no dia em que todos os que nos
rodeavam pareciam querer que nunca nos viéssemos a toca, no dia em que
todos desejavam que fôssemos qeum nos diziam que deveríamos ser, no
dia em que tudo mudou dentro de nós e nunca nada voltou ao sítio.
Conhecemo-nos no dia em que descobri que seria realmente o meu marido
e em que descobri que nunca poderia tocar-te como desejava, no dia em
que desejei que tudo fosse diferente e que pudéssemos realmente fugir
para um local onde não existisse esta nossa sociedade puritana e onde
pudéssemos ser realmente felizes juntos.
Naquele dia percebi que só comunicaríamos por carta e que mesmo
desse modo seria muito díficil. Naquele dia descobri que sem ti não desejo
realmente viver.
Não se realmente porque é que te escrevo esta carta num dia como
hoje, no dia em que a minha filha faz dois anos, no dia em que a única
pessoa que me tirou do estado de infelicidade em que caí no dia do meu
casamento arranjado faz dois anos. A Elaine é tão linda, não sei se algum
dia te vai conhecer mas queria que soubesses que na altura em que tiver
idade para conhecer a nossa história lha contarei como se de um conto de
fadas se tratasse. Não sei se é o que desejas e não to estou a contar para
que me dês a tua opinião, mas sim para que saibas que um dia ela pode ir
ter contigo para que lhe contes a tua visão da nossa história.
Para sempre tua
Sarah
Na realidade a minha mãe chegou mesmo a contar-me a sua história
de amor como se fosse um conto de fadas como aqueles que me lia nos
seus livros, contou-mo pela primeira vez para me adormecer no dia em que
fiz cinco anos e lembro-me que queria saber mais sobre aquele romance
todos os dias. Sonhei com aquele romance que me parecia amaldiçoado, e
que hoje sei sê-lo realmente, até ao dia em que, quando mexia nas muitas
caixas que se encontravam no roupeiro da minha mãe, descobri as cartas
que recebia dele e que também lhe enviava. A primeira carta que
transcrevi foi a primeira que li das que a minha mãe lhe escreveu. Todas as
cartas de minha mãe obtiveram resposta, sem uma única excepção. A carta
acima transcrita obteve a seguinte resposta:
Londres
Querida Sarah
Meu amor, não esperava receber nenhuma carta tua, visto que já não
me escrevias desde que a tua filha nasceu. Tenho imensas saudades tuas e
já à bastante tempo que queria escrever-te mas decidi esperar que me
escrevesses primeiro pois sempre me pediste que assim fosse e eu nunca
quis que tivesses problemas com o teu esposo por mim.
Desejo ver-te antes de me casar, meu amor não me caso porque o
desejo mas sim porque os meus pais mo exigiram. Decerto sabes há quanto
tempo os meus pais me exigiam que tomasse uma noiva e continuasse a
linhagem da família e também sabes que sempre me recusei a fazê-lo pois
não podia ter a única que desejo. Agora já não está ao meu alcance se caso
ou não com a jovem Maria de Bourbon, a princesa espanhola que é a filha
mais nova de seus pais. Decidiram casar-me com ela sem pedir sequer a
minha opinião, não desejo este casamento Sarah, estou bastante
descontente com ele mas não existe nada que possa fazer para mudar a
minha sina.
Depois do casamento irei viver em Londres com Maria e peço-vos
que sejais como uma irmã para ela pois sois a única dama da sociedade
londrina em quem confio e na qual deposito todas as esperanças de que
este meu casamento corra pelo melhor. Peço-vos que não encareis este
meu pedido como um fardo para vós, visto que a minha intenção não é
essa mas sim fazer com que nos vejamos mais vezes e com que a minha
esposa seja feliz e se sinta querida. Não deveremos voltar a correspondernos
por carta meu amor, o teu marido pode descobrir e decerto que Maria
não gostaria que o seu esposo pensasse noutra mulher após o casamento.
Peço desculpa por não haver fugido convosco na altura em que vos
casastes mas sei que não seríeis feliz com o boémio que era nesse tempo.
Seríamos infinitamente mais felizes se eu tivesse tido a coragem de
vos fazer fugir comigo para a Indía em vez de ter fugido sozinho, visto que
isso nunca será possível. Aproveitai o vosso casamento e tentai ser feliz
por vossa filha. Nunca vos esquecerei.
Amo-vos como no dia em que vos conheci
Jonathan
Depois da leitura de todas as cartas destes dois apaixonados dei por
mim a pensar em todos os amores que nunca conhecerei. Nunca virei a
apaixonar-me desta forma arrebatada e sem olhar ás conveniências da
sociedade e da família. Nunca irei desafiar o meu casamento, ainda que
não amasse Charles portar-me-ia sempre como a dama que me ensinaram a
ser e uma dama não trai, uma dama não sonha com outros homens além do
seu marido, uma dama não pensa que o seu casamento não está bem, em
suma uma dama não tem para com seu legítimo marido nenhum dos
comportamentos que minha mãe teve para com meu pai.
Contei a Charles do amor existente entre a minha mãe e o seu pai e
este confidenciou-me que o seu pai já lho havia contado muito antes e que
mesmo sabendo que os nossos pais se desejavam continua a querer casar
comigo. Esta notícia deixou-me imensamente feliz, mas também um pouco
triste pois apercebi-me que Charles não sabe que eles consumaram o seu
amor. De certa forma creio que fiquei aliviada com isso pois assim não
tenho de lhe mentir sobre o que sei ou não sobre a ligação entre eles.
Chega de falar do romance de minha mãe, afinal este relato é suposto
ser sobre mim e não sobre o que a minha mãe fez ou deixou de fazer com
o seu amante. É a altura certa para contar o que eu fiz que prejudicou o
meu pai e o fez ser condenado à forca.
Meu pai tinha negócios no contrabando, usava a sua posição de nobre
para ajudar os contrabandistas a entrarem em Inglaterra com mercadorias
proibidas. Eu descobri a verdade sobre os seus negócios três semanas
depois do meu décimo aniversário e inocente como era contei a minha mãe
, que por sua vez contou à polícia. Três dias depois a polícia chegou e
levaram o meu pai para interrogatório, eu morri de medo nessa tarde, a
minha mãe tremia de riso, como quem não podia acreditar que tal desgraça
se abatera sobre a família que eu sempre julgara perfeita. O meu pai foi
julgado sem alarido e executado por traição ao reino seis meses depois e
no dia da sua execução eu fui perguntar a minha mãe o porquê da sua
decisão de o denunciar.
Passaram-se alguns anos desde que o meu pai foi executado e eu
ainda não me habituei à ideia de que nunca poderei ter um dote ou uma das
propriedades da família, nem a casa onde cresci me pertence, não terei
nunca direito a nenhuma das propriedades de que os meus pais eram donos
porque a lei não mo permite, todos os bens dos traidores passam
directamente para a coroa, esquecendo todos os potenciais herdeiros. Foi o
que me aconteceu, nada do que estava em nome do meu pai foi herdado
por mim e todas as terras que se encontravam em nome de minha mãe
foram vendidas para pagar as dívidas que haviam sido contraídas pelo meu
pai antes da sua morte. Não me arrependo de ter traído os meus princípios
para que o meu pai fosse executado, na altura fiquei muito chocada e odiei
a minha mãe por ter proporcionado essa execução mas hoje já não sinto
isso, hoje compreendo que minha mãe fez o que precisava de ser feito e se
ela não o houvesse feito teríamos sofrido mais ainda.
Dez anos depois
Dez anos depois do meu casamento retomo a narrativa que terminei
no dia do mesmo. O meu marido não me ama e ainda que eu o ame como
no primeiro dia já não posso fazer nada quanto ás amantes dele, se ele me
tivesse dito que não me amava e que iria começar a arranjar amantes eu
compreenderia mas nunca me disse nada. Antes continua a procurar-me no
meu quarto e a cumprir os seus deveres conjugais para comigo, apenas já
não o faz com a mesma paixão e já não me tem o mesmo amor.
Charles e eu amávamo-nos mas no dia do nosso casamento tudo
mudou. Maria de Espanha cumpriu a sua promessa de me destruir no
coração do seu filho e para o fazer serviu-se do seu trunfo, o facto de eu
saber que o seu pai e a minha mãe haviam realmente consumado o seu
amor e nunca lho haver contado, ainda que não lhe tenha dito que eu não
lho contara para o proteger e que havia sido ela a pedir-me para não o
fazer.
Eu sempre houvera tido consciência de que Maria me queria destruir
pois eu conquistara o seu primogénito e era a única filha da mulher que
fizera com que ela nunca tivesse a hipótese de conquistar o amor do seu
marido. Ainda assim nunca pensara que ela fosse realmente capaz de me
tirar o amor da única pessoa que me restava no mundo, o seu filho Charles,
Maria sempre houvera sido fria para comigo mas acolhera-me aquando da
morte de minha mãe e eu amava-a. Por isso sei que desde a morte da sua
mãe que ele está muito abalado e infeliz mas mesmo assim seria de esperar
que depois de lhe ter dado três filhos eu merecesse alguma satisfação sobre
o seu comportamento indecoroso. Sei que Charles me culpa pelo adultério
do seu pai com a minha mãe ainda que não tenha razões para isso visto que
essa história apenas me havia sido contada como se de um conto de fadas
se tratasse, ainda que fosse um conto de fadas que nunca tinha fim e cujo
início nunca soube realmente.
Desde a morte de sua mãe e consequente luto que Charles deixou de
me respeitar por completo. Na altura em que sua mãe morreu eu acabara
de dar à luz o seu terceiro filho e por isso não pude estar ao seu lado para o
apoiar. Penso que foi aí que o respeito que me voltara a ganhar durante
seis anos de vida em comum se perdeu, e desta vez para sempre. Não
voltarei a ganhar o amor do meu marido e sei-o bem.
Duas semanas depois
Charles está morto, morreu na sua cama durante a noite e agora
querem tirar-me os meus filhos para lhes poderem dar a educação que
desejarem. A família de Charles deseja que eu me volte a casar no espaço
de dois anos para que possam voltar a controlar todas a propriedades que
se encontram no meu nome. Nunca os deixarei tirar-me o que é dos meus
filhos por direito nem o que é meu por herança directa do meu marido e
dos meus pais, esqueci-me de referir que Charles conseguiu recuperar tudo
o que era dos meus pais por direito. Custa imenso a estes espanhóis que
Maria tanto amava e Charles respeitava que eu seja a legítima herdeira de
tudo o que era do meu marido até que o meu filho mais velho tenha a idade
necessária para herdar o que é legitimamente seu.
Serei eu a tomar as rédeas da minha família e a proteger as crianças
até à sua maioridade, por falta de um herdeiro masculino da linha de
Charles serei mesmo eu a duquesa, o que me põe numa posição
priveligiada tanto na família como na sociedade e me tira finalmente do
jugo do chefe da minha família materna. Ainda que para poder herdar tudo
isto eu tenha de passar a viver na corte e de pedir ao rei para me proteger a
mim e à minha posição de viúva-rica e dedicada a seus filhos. Tenho
consciência de que terei de vender a alma para proteger os que amo e que
nem mesmo assim posso ter a certeza de que nenhum mal lhes sucederá.
Aterra-me a ideia de que tenho de ir viver para a corte e porventura tornarme
uma das amantes do rei mas fá-lo-ei se for o necessário para que os
meus filhos vivam felizes e perto de mim.
Doze anos depois
Hoje sou uma mulher velha e respeitada na corte de Inglaterra, acabei
por voltar a casar, desta feita com o melhor amigo do rei, um homem que
me permitiu manter os meus filhos comigo e que o meu primogénito
herdasse o ducado que fora de seu pai. Não precisei de me tornar amante
do rei nem de qualquer outro homem pois a rainha tomou-me como sua
dama de companhia e ofereceu-me um lugar de destaque a seu lado e um
ano depois da minha chegada à corte já me encontrava novamente casada e
à espera do meu quarto filho.
Fui feliz nos meus dois casamentos e ainda que não ame o meu
actual marido respeito-o e sou feliz com ele. Depois de dez anos deste
segundo casamento sei que o meu casamento anterior foi apenas um
arremedo de um amor infantil e irrealista.
Termino assim a minha narrativa
Elaine Collins

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