domingo, 15 de abril de 2012

Bullying...


Como a maior parte das crianças eu não tive uma infância facilitada, talvez tenha sido um pouco demasiado protegida mas a maior parte de nós é-o durante os primeiros anos de vida. No meu caso eu fui educada de uma forma totalmente oposta à da maior parte dos outros miúdos e não se pode dizer que isso alguma vez me tenha facilitado a vida escolar. Nos dias de hoje posso assumir-me como tendo orgulho da minha educação mas durante a minha vida escolar foram ainda mais as vezes em que isso não aconteceu do que as em que aconteceu.
Como muita gente saberá eu fui nascida e criada entre livros e aprendi muito cedo a ler sozinha, o que não se pode dizer que tenha ajudado minimamente na minha integração na escola primária, para dizer a verdade piorou ainda mais a minha situação. Eu era uma criança algo introvertida pois sempre estive habituada a brincar sozinha e usava mais a imaginação do que a maior parte das crianças da minha idade, talvez por isso me isolasse para poder brincar à minha própria maneira. Apesar disso acabava por não me conseguir camuflar pois era alta e tinha o hábito de brincar sozinha em voz alta, o que também não ajudava muito na minha integração. No que tocava às aulas era inteligente, rápida mas tinha um problema de visão, que na altura ainda não se tinha descoberto tratar-se de estrabismo divergente, que me fazia ter problemas de concentração e me tornava distraída do que se passava à minha volta. Por todas estas razões era uma criança diferente das outras e por isso era discriminada pelos meus colegas durante toda a escola primária e por aí adiante.

Perdi a conta ao número de vezes em que almocei bem depois das duas da tarde ao longo dos quatro anos da escola primária pois acabava por ficar a maior parte das vezes a copiar trabalhos de casa ou a ouvir a minha mãe e a professora dizer-me que a minha diferença apesar de me afastar dos outros só contribuía para me tornar melhor que eles e aumentava a minha inteligência. Como todas as vítimas de bullying acho que nunca conseguirei acreditar nisso, eu na altura não sabia o porquê das acções dos outros miúdos e não me esforçava por os entender pois a mim sempre me haviam ensinado que os conflitos não se resolviam com violência mas sim através de diálogo, e era este mesmo diálogo que acabava por me fazer mais falta. Apesar de tudo eu acabava por ser uma criança algo conflituosa caso provocada, mas desde que não fosse provocada mantinha-me no meu canto sem falar com ninguém.
É certo e sabido que a escola primária é um dos períodos mais difíceis para a maior parte das crianças em termos de integração e por isso mesmo se tenta formar turmas homogéneas ou com alunos provenientes de quadrantes sociais aproximados. O meu caso era tomado por um desses, a minha turma da escola primária era quase completamente composta por filhos de indivíduos de classe média/alta, o que nos tornava candidatos a uma das melhores turmas da escola, que éramos em termos de aproveitamento mas não em termos de comportamento.
Apesar do que se pensava quando se formou a turma não se pode dizer que tive uma vida escolar fácil ou em alguma medida facilitada por ter bons colegas, porque acreditem em mim os filhos dos senhores doutores são tão capazes de maldades, agressões e bullying como todos os outros filhos de zés-ninguém. E isto só prova que não é só no quintal dos outros que as coisas acontecem e que afinal as pessoas más são-no independentemente da classe social de onde provém e do estrato em que se inserem. Os maus-tratos aos mais fracos não são exclusivos das classes baixas e até chegam a ser mais comuns entre as ditas classes altas onde também funciona a “lei do mais forte” ou “lei da selva” que até há alguns anos se pensava ser apenas característica dos animais, pelo menos até ao momento em que decidimos olhar-nos ao espelho e perceber que sendo racionais somos mais irracionais que aqueles que rebaixamos a animais de companhia.
Em termos de bullying está mais que provado que as classes sociais e económicas apesar de poderem servir como motivo de discriminação não são factor isolador do problema, no sentido em que um indivíduo de uma classe mais alta pode tanto discriminar um de classe mais baixa como acontecer o contrário, além de dois indivíduos de uma mesma classe económica poderem também discriminar-se um ao outro, ainda que com base em outros motivos. Tudo isto prova que a tão falada problemática do bullying é grave e tem contornos bastante mais profundos do que inicialmente se pensou.
Falando na primeira pessoa como uma vítima posso dizer que muitas vezes dou por mim a constatar que as vítimas se tornam bullies pois aprendem com o seu sofrimento da maneira errada e em vez de pensarem em emendar o que lhes fizeram e tentar evitar que outros passem pela mesma situação acabam por fazer ainda pior aos que os rodeiam. Falando das minhas experiências e neste caso de algo que vi acontecer pois passou-se com pessoas próximas de mim posso dizer que entre namorados (as) o bullying tem-se tornado uma prática comum e já não só com intuito de vingar ofensas mas sim com o intuito de atirar a primeira pedra como naqueles jogos infantis de ver quem aguenta mais dor. Apesar de na maior parte dos casos ser aquele que já foi vítima de bullying o que dá a outra face e acaba até por fingir que não se passa nada pode acontecer que seja o bully a fazê-lo e isso é bastante mais perigoso pois a partir de esse momento fica-se com a certeza que é alguém que se tornou bully. Estes indivíduos que se tornam bullies podem ou não ter a consciência de que o são e não querer constatá-lo ainda que tenham provas do mesmo e são mais perigosos do que os que sempre foram bullies pois agem com um instinto sádico mais acirrado, como se se estivessem a vingar dos que os que os magoaram a eles.
Continuando a fazer uma análise deste fenómeno, como alguns estudiosos decidiram chamar-lhe, pode definir-se vários tipos de bullying. Na minha opinião é algo irrealista dividir o bullying em tipos pois a dor é exactamente a mesma e é ainda mais irrealista chamar ao bullying fenómeno, pois na maior parte das vezes um fenómeno é um acontecimento pontual ou esporádico e isso não se passa com o bullying.
O bullying é antes de tudo uma realidade a ser combatida e a única forma de a combater é pela educação para o respeito. Esta educação para o respeito devia ser a base da nossa sociedade mas em vez disso é quase sempre ignorada. Tendo em conta que vivemos num mundo e numa era cada vez mais virados para a globalidade do mundo e nesse mundo existem diferentes raças, culturas e religiões, as nossas crianças deviam primeiro que tudo ser ensinadas a respeitar e aceitar a diferença pois durante a sua vida irão sempre conviver com ela. Não se pode pedir a um racista que mude de opinião de um dia para o outro mas se for educado desde criança para respeitar os que são diferentes de si pode ser que nunca chegue a ter um comportamento extremo em termos de racismo. O mesmo se passa com homofóbicos por exemplo, já no caso de extremistas religiosos a situação é diferente mas também pode ser contornada, ainda que nunca se vá ter a certeza disso, pois os fanáticos são uma realidade em todas as religiões, pode mesmo dizer-se que o fanatismo é a razão de ser de uma religião. Mesmo assim alguns problemas podem ser controlados caso seja instituído um modelo educativo que permita aos estudantes familiarizarem-se com a diferença e assim aprender a aceitá-la.
A minha proposta sobre o combate ao bullying é um programa de integração mais eficiente que o que existe, um programa que em vez de empurrar estudantes de várias etnias para uma mesma escola e obriga-los aí a interagir os coloque em espaços onde desde pequenos convivam e aprendam juntos, com o objectivo de formar adultos mais tolerantes e informados. Um programa que envolva áreas de história até ao secundário e que não mantenha os alunos quase ignorantes sobre áreas como a política e a religião mas que não se centre apenas na informação, tendo também uma componente de formação em língua gestual para que se integrem os alunos surdos em escolas públicas e que estes possam ser integrados e não protegidos e compartimentados. Enfim o que defendo é um modelo educativo integrador que apoie os alunos em vez de os sectorizar.

Sem comentários:

Enviar um comentário